sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O teu primeiro postal de Natal deste ano

Ok, pronto. Este ano estás mesmo aborrecida e enquanto te arrastas pelas ruas, reparas no cliché das luzes coloridas reflectidas na calçada molhada. Estão todas misturadas e distorcidas como aquele quadro que roubaram na Noruega ou lá onde foi. Como é que se chamava? Ah, sim O Grito. Pois é isso mesmo que as cores te fazem lembrar, O Grito.
Antigamente o Natal parecia-te bem mais sincero e inocente. Por muita boa vontade que tenhas, e acredita que és uma mulher cheia de boas intenções, não podes deixar de pensar nas noticias que abriram todos os dias os telejornais e que estiveram nas estampas dos periódicos. Lembraste ou não desses dias, hã? Os despedimentos colectivos, os desfalques capitalistas ou as constantes subidas das taxas de juro. É que depois de seres massacrada um ano inteiro com o endividamento das famílias não deixa de ser constrangedor assistir às lojas cheias de gente de embrulho debaixo do braço e a sobrecarregar a rede multibanco. É um bocado como as aventuras do Asterix que, depois de muitas dificuldades com os romanos, acabam sempre em festa e com o bardo amordaçado. Só que a ti calha-te sempre o papel do bardo e parece, aqui para nós, que ficaste sem o direito ao teu pedaço de javali.
Repara que, até quando olhas para uma simples árvore de Natal plantada no Terreiro do Paço, à vista de todos, não consegues evitar a leitura da palavra Millennium lá escrita. Que raio de sensações esperam que tenhas quando és confrontada com fotos de famílias abraçadas e enquadradas ao lado do nome da entidade que, todos os meses e durante os próximos, digamos…40 anos, as vai privar de metade dos rendimentos? Provavelmente não é essa a imagem que instalarias como wallpaper ou à qual recorrias se um psicanalista te pedisse para imaginares algo agradável e confortante antes de te hipnotizar. Mas o nome do banco é apenas uma marca como todas as outras marcas dum sistema que extorquiu durante meses o máximo que pôde aos seus clientes ao mesmo tempo que mentia sobre as razões da extorsão. “Admitimos, fizemos merda! Desculpem, não foi de propósito e não volta a acontecer. Palavra de honra.”
Não consegues sentir qualquer tipo de esperança neste ambiente e começas a estar verdadeiramente cansada. Quer dizer, não é um cansaço físico, como se acabasses de picar o ponto depois dum dia de trabalho, 8 horas em frente a um computador ou 9 atrás dum balcão sem saberes muito bem quando te calha a próxima folga. É um esgotamento por estares sempre no fim da pirâmide a topar os mesmos comportamentos vezes sem conta e teres a certeza que nada se transforma para melhor. Isto apesar dos americanos virem para a rua saudar o momento da viragem.
Mas queixas à parte, todos os anos em Dezembro tendes a seguir o teu rebanho. A tua vida transformou-se num ciclo controlado por um cronómetro de forno do IKEA de 8,99 euros em forma de galinha. Vais oferecer as mesmas prendas, fazer as mesmas refeições, deitar-te com as mesmas angústias e escrever as mesmas mensagens de treta no telemóvel. As empresas de telecomunicações, que por acaso até patrocinam as luzes natalícias da Av. da Liberdade já começaram a fazer estimativas para os lucros deste ano. Pelas últimas contas já tinham ultrapassado os dez milhões. Aonde é que se meteram os velhinhos cartões da UNICEF?
Voltando a ti. Aposto contigo, tudo o que poupaste na vida, que vais voltar a oferecer uma camisola da Zara ao teu pai, um livro do Saramago ao teu cunhado, um perfume italiano ou americano de 50 euros ao teu marido e um puzzle da Disney ao teu sobrinho (desta vez com mais 35 peças que o do ano passado porque ele é mais velho e inteligente). As pessoas perderam mesmo a capacidade de se mimar. A mensagem que tens a dar ao mundo enquanto presa desta gaiola a que chamam aldeia global é que, se tivesses alguma voz de controlo, mandavas toda a gente comprar apenas uma lembrança até 10 euros e farias uma troca de presentes universal. Tá bem, provavelmente não conseguirias convencer os espanhóis a antecipar aquele hábito do dia dos reis, mas poupavas muito tempo e dinheiro a todos. Era o teu contributo para a fraternidade mundial. Nada mau!
Contudo, tens contigo aquela sensação carinhosa e ingénua que a história do espírito de Natal até foi capaz de ter sido uma boa ideia. Pelo menos durante o tempo em que não se tomava banho e se era queimado na fogueira. Mas agora, para manter a chama, era bom que a esperança e o consumismo fossem eliminados da equação. Regista isto antes de pegares no teu cartão hipermercado feliz e comprares brinquedos a 50% de desconto: esta globalização vai fazer ao Natal aquilo que já fez ao mundo. Destruí-lo pedaço a pedaço até sobrar um grande nada. Pelo menos é isso que tem conseguido, ou não?
Bem, faz lá um sorriso bonito, bem vais precisar dele este ano!

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